26 de setembro de 2020

Divã de Escrita 2020 #7 (A terceira margem do rio, de João Guimarães Rosa) - Um desafio à interpretação do leitor | Portão Literário

Oi gente!

Mais uma leitura para o projeto "ler contos, para melhor escrever contos"! Também faz parte da listagem que divulguei no primeiro vídeo do ano. Desta vez, o desafiador "A terceira margem do rio", do escritor mineiro João Guimarães Rosa. Desafiador porque além de ser um conto que pode ter vários significados e interpretações, foi escrito, como toda a obra do autor, cheia de neologismos. Então, "bora lá", que temos muito a falar sobre ele!


"A terceira margem do rio" faz parte da obra "Primeiras Estórias" (que de primeiras só tem no título, porque não se tratam dos primeiros contos do autor), que foi publicada em 1962. A coletânea reúne 21 contos do escritor Guimarães Rosa e é considerada uma obra modernista. Bem resumido (se você não leu, sugiro fazer a leitura na íntegra): O conto é narrado pelo filho, que não entende (nem aceita) o fato de que seu pai, de repente, resolve construir uma canoa e parte nela para não mais voltar. Mas ele não some, fica lá ilhado, no meio do rio, sozinho, enquanto os anos passam. O filho, por compaixão, lhe deixa escondido roupas e mantimentos na beira do rio, mas sem sucesso de presenciar o seu retorno. A família vai vivendo com sua ausência, porém cada um segue seu rumo. A irmã se casa, o irmão se muda para a cidade, a mãe vai morar com a filha. Mas o filho, narrador da história, decide permanecer perto do pai. Até que muito depois, quando já velho, o filho toma coragem e da beira do rio grita para o pai que aceita trocar de lugar com ele, que ele já está velho demais. E surpreendentemente, o pai aceita a sugestão do filho, que desesperado, volta atrás e foge. 

E aí, conto terminado, vem as perguntas: qual foi o destino do pai? e do filho? por que o pai abandonou tudo para viver em uma canoa? por que só o filho narrador não seguiu sua vida? E a principal: Afinal, o que significa a terceira margem do rio? Pois é, Guimarães Rosa faz isso com o leitor. Com uma narrativa breve faz uma obra-prima que não permite, em momento nenhum, que o leitor defina respostas únicas para os questionamentos que ela deixou. O conto apresenta, desde o título, inúmeras possibilidades interpretativas. Junto com o filho narrador, nós leitores aguardamos por respostas, o tempo todo.

Guimarães Rosa utiliza em "A terceira margem do rio" uma característica muito valiosa para o gênero conto: é chamada de "sequestro momentâneo". Como leitores, nos sentimos sequestrados para essa "terceira margem", mesmo sabendo que no mundo material só existem duas margens possíveis. Então, o que seria, ou onde estaria a terceira margem: no mundo metafísico, talvez? Nesta busca de respostas, permanecemos presos ao conto e além dele. O autor consegue isso com recursos linguísticos e estilísticos. Um exemplo. No início do conto a mãe diz ao pai, quando ele se despede para embarcar na canoa: "Cê vai, ocê fique, você nunca volte!". Percebem como ele consegue, com a dilatação do pronome "você', dar a ideia do distanciamento? Genial!

O conto todo é de uma riqueza dialógica de tirar o chapéu. Ao longo da leitura, ficamos procurando, interpretando, tentando decifrar as alegorias. Para terminar a leitura com a desconfiança de que a intenção do autor foi justamente essa: não encontrar uma explicação fechada. É uma experiência de leitura. Como algo que ainda está oculto, intangível. Não seria tão bom, se não fosse assim.

Boa leitura!

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