Oi gente!
Prosseguindo com o conteúdo da matéria de mestrado que fiz em 2017 (Teoria da Ficção), hoje vou falar um pouco sobre a aula em que estudamos o ensaio de Catherine Gallagher para o livro "A cultura do romance", organizado por Franco Moretti e publicado pela Cosac Naisy (esgotadíssimo!!).
O livro apresenta ensaios sobre história e teoria literária e narra sobre esse gênero tão transgressor e único que é o romance. Franco Moretti é um grande conhecedor da literatura mundial e fez um belo trabalho. "A cultura do romance" basicamente narra sobre a ascensão, o apogeu e a crise do romance, com sua trajetória de conflitos e contradições.
O ensaio que estudamos chama-se "Ficção" e foi escrito por Catherine Gallaguer, uma historicista americana, crítica literária e professora de inglês na Universidade da Califórnia. Diferente de Frye (que vimos na postagem passada) que buscou as diferenças a partir do romantismo, Gallagher analisa o movimento histórico da ficção. Começa seu ensaio afirmando que "nada no romance é tão óbvio e ao mesmo tempo tão invisível quanto o fato de ser ficção". Para ela, o primeiro passo onde a ficção não tem o compromisso com a veracidade é um exemplo de um personagem que não existe carnalmente mas que existe como espécie.
Um ponto que achei bem interessante no ensaio é que ela enfatiza a pouca importância teórica dada ao estudo da ficção como conceito. Ela deixa então a sugestão para repensarmos o funcionamento da ficção, iniciando pelo modo de como a literatura tem se expandido para outras formas de narração, especialmente as combinações com narrações históricas ou etnográficas. Também aponta que uma das principais marcas delimitadoras da ficção enquanto modalidade discursiva é reconhecer a diferença entre a pessoa e a personagem.
Na aula foi citado o exemplo de Fernando Pessoa. Seu espólio está sendo estudado por Jerônimo Pizarro, cujos escritos de Ricardo Reis, um dos heterônimos de Pessoa, alterado frequentemente pelo autor nos textos originais e publicados pelos críticos antigos em suas primeiras versões, agora vem à tona justamente na intenção de dar ao leitor a opção de analisar as nuances do escritor ao colocar no papel suas mudanças como personagem. Ou seja, sair da edição antiga, da qual o leitor está acostumado, para a nova realidade do autor. Na prática, especificamente no caso de Pessoa, é isso: a realidade é precária, mutável. Esses estudos representam a necessidade de se fazer uma separação, mas Pizarro problematiza essa separação, entre o útil da realidade objetiva (sequência de experiências vividas ao longo da experiência humana) e a subjetividade da ficção.
Para Gallagher, “Não existiria modo algum de entrarmos em outra pessoa e não poderíamos experimentar aquele sutil alívio que sentimos ao pensarmos em nossa particularidade” se não pudéssemos contar com a certeza de que estamos em um mundo inventado, de que a “realidade criada pela ficção” é palpável por meio do personagem que atua como uma máscara para nos lembrar do quanto somos desconhecidos de nós mesmos. Ela fecha o ensaio sugerindo que esse estudo será atemporal, inclusive cita o jogo ontológico como tendência do século XXI. Jogo ontológico é não deixar que o leitor perceba onde está começando a veracidade factual. Quando as fronteiras entre a ficção e a realidade ficam "borradas", pergunta-se ao leitor: - Quem disse que era para ser só prazer, que não era para se correr riscos?
Por fim, uma citação que achei interessante: "Se a etimologia da palavra tem algo a nos ensinar, devemos concluir que a ficção foi descoberta como modalidade discursiva com estatuto próprio somente quando os leitores desenvolveram a capacidade de distingui-la tanto da realidade como – sobretudo - da mentira."
É muita reflexão acadêmica né? Mas confesso que esse estudo abriu minha mente para meus trabalhos de escrita também.
Consegui alguns links em que você pode baixar o texto da Gallagher, caso interesse:
https://pt.scribd.com/document/317699461/Ficcao-Catherine-Gallagher
https://www.passeidireto.com/arquivo/78115578/literatura-ficcao-catherine-gallagher
https://vdocuments.site/4-catherine-gallagher-ficcao.html
Boa leitura!
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